Antes de abrir meus olhos pude ouvir as gotas pesadas da chuva contra o vidro de minha janela. Não sabia ao certo o que estava acontecendo, onde estava, ou até mesmo quem eu era. Sentia uma tremenda angustia, pois minha cabeça processava mil e uma informações e eu já não raciocinava uma ligação entre elas...
Aos poucos as informações foram se organizando em minha mente... Reconheci o lugar como um hospital, o qual fui internada uma vez em minha infância. Localizado na fronteira de minha cidade. Era um ambiente demasiadamente rústico, bastante confortável não deixando nada a desejar.O quarto em que me encontrava possuía paredes em um tom rosa antigo e o chão era de uma madeira escura, algo bem atípico para um ambiente hospitalar.
Sentei-me a cama, ainda não estava forte o suficiente para ficar em pé, peguei o controle da antiga televisão dois metros distante de meus olhos e a liguei, passava o noticiário que, a pesar de local, para mim eram só imagens de pessoas apreensivas as quais minha mente não conseguia focar direito em seu dialogo com os telespectadores. A sensação era como se eu estivesse presa em uma caixa que flutuava sem rumo num oceano de palavras sem sentidos.
De repente pude ouvir movimento ao meu redor, um homem negro e alto com um sorriso bem amigável entrou no quarto em que me encontrava. Deduzi que fosse o medico que estava cuidando de mim, o que me fazia tentar lembrar o motivo que fez eu estar nesse lugar. Ele se aproximava parecendo contente em me ver. Eu deveria conhecê-lo?
-Vejo que você finalmente acordou, minha querida, como se sente? -Não sei dizer... Me sinto um pouco confusa... -E não é para menos... Tivemos de induzir você ao coma, pelo seu estado crítico. Tinha chances de você não voltar dele... -Coma?! -O que você se lembra? -Não muito...
O médico se aproximou e sentou ao meu lado. Eu realmente não me lembrava de muita coisa. Minhas lembranças estavam espalhadas em minha mente, e eu teria que reorganiza-las para entender porque tudo isso estava acontecendo.
-Tudo bem, é normal essa confusão em sua mente. Meu nome é Marcos, sou um dos neurologistas aqui dos hospital. Vou ajuda-la, mas você precisa se esforçar, compreende? -Sim...Vou me esforçar. -Muito bem...Comecemos pelos seu nome e idade;
Conversar com Marcos era única maneira de entender o que estava acontecendo, porém eu sentia uma enorme angustia. Algo que estava me sugando por dentro. Só sabia que precisava me lembrar de algo importante, e eu não saber o que era deixava-me angustiada e ferida por dentro. -Meu Nome é Isabelle Eleonora Camerini, tenho 21 anos. -Está se saindo bem Isabelle! Lembrar-se disso é um ótimo sinal. Bem, vejamos, próxima pergunta... -Marcos... Como eu vim parar aqui? -Eu acho que não é bom para você, falarmos nisso agora... -Por favor... Eu preciso saber, meu coração está saindo pela boca... Você não pode me negar isso! -Eu não sei Isabelle... -Eu estou te implorando! Meus olhos encheram de lagrimas desesperadas por explicações, pois os olhos de Marcos já me adiantavam as emoções que as palavras saídas de seus lábios me causariam.
-Você esta aqui há quase um mês... Ninguém achava que vocês iam sobreviver, estavam muito feridos... Tivemos de fazer mais de 12 cirurgias em ti, quase ficou tetraplégica... Pelo o que me contaram foi um acidente de carro de noite. Eu pessoalmente nunca vi uma noite tão chuvosa e fria como aquela. Vocês estavam para fazer aquela curva perigosa do morro próximo às divisas... A alta velocidade do carro fez com que ele perdesse o controle da direção. O carro capotou e caiu na água. Seu corpo ficou preso no cinto de segurança, que impediu que você voasse pelo para-brisa do carro. A sua sorte foi que o carro caiu em uma área rasa, impedindo que se afogasse. Infelizmente, o Rapaz que te acompanhava... Não resistiu a cirurgia... Estava com muitos ferimentos internos. Se tivesse sobrevivido, nunca mais poderia andar ou enxergar, as sequelas seriam muitas, e irreversíveis.
Cada palavra que entrava em meus ouvidos era pior do que reviver aquele momento cem vezes... As lembranças tomavam sentido em minha mente, mas isso não me trazia alivio, só me trazia mais dor... Meu coração estava sangrando por dentro, eu começava a me arrepender de ter colocado o cinto de segurança. Se fosse para ele morrer eu queria ir junto. Aos poucos minhas outras lembranças me faziam entender o contexto dos acontecimentos...
-A CULPA É MINHA! A culpa era minha... eu me lembrei de, horas antes do acidente, ligar para ele. Eu implorei para ele fugir comigo, começar tudo do zero. Tinha tido a pior briga da minha vida com meu pai. Eu não pensava em outra coisa que não fosse fugir de todos, eu jurei nunca mais olhar na cara do meu pai depois de descobrir seu segredo... Eu nunca o perdoaria!
-Isabelle... ninguém poderia saber... Essas coisas acontecem, infelizmente, mas acontecem... Não diga que preferiria estar morta... A vida é um presente, o qual pelas circunstancias, você ganhou novamente quando abriu seus olhos hoje. Pode não acreditar, mas sei exatamente pelo o que está passando, e sei quando digo que ele queria que você pudesse viver...
Palavras de consolo eram uma perda de energia de Marcos, nada que ele pudesse dizer ou fazer aliviaria minha dor naquele momento. Minha vida estava uma verdadadeira bagunça. Minha única luz no fim do tunel se apagara para todo o sempre e antes que eu pudesse pensar com clareza em uma maneira de sair dessa escuridão eu precisava ficar só com minhas lembraças...
O passado era meu refugio... Minha mente se concentrava naquele exato momento em que nossos olhos se encontraram pela primeira vez. Um segundo que valeu por cada minuto que vivemos depois...
Minha vida toda sempre fui incentivada a ser, não apenas uma boa aluna, mas a melhor. Eu amava a ideia de curar as pessoas. Meus pais sempre se orgulharam de minha determinação em passar em medicina, e quando eu passei, percebi o quanto estavam realizados. Quem visse nossa família de fora, diria que tínhamos a típica vida de uma daquelas famílias de comercias de margarina, admito que até eu pensava isso as vezes, mas algum tempo mais tarde descobri o quanto todos, o quanto eu mesma estava enganada com essa ideia absurda de família perfeita. Entretanto, a questão que rodeava em minha mente naquele dia não chegava nem perto desse assunto. Lembro-me claramente de que naquele dia eu tinha que estudar para três provas naquela semana, porém não conseguia me concentrar em nada. Eu com recém 20 anos feitos começava a sentir curiosidade de algo que nunca havia experimentado seriamente na vida. Apaixonar-me perdidamente por alguém.
Estar tão distraída me fez não reparar em sua presença de primeira. Ser observada não era algo com que eu estivesse acostumada, mas de alguma maneira eu podia sentir aos poucos seus olhos procurando os meus. Eu já havia tido uns namoricos na adolescência, porém nada que se comparasse a atração que ele me causaria em poucos instantes...
Então eu finalmente percebi que não estava só naquela biblioteca da faculdade. Lembro-me de ter corado um pouco quando percebi você parado poucos metros de mim. Nunca fui muito de acreditar em destino ou algo do tipo, mas começara a mudar de opinião a respeito disso no momento em que olhei no fundo daqueles olhos verdes pela primeira vez...
-Olá, você é Isabelle, não? -Sim. Sou eu. -Bem... Eu sou Rodrigo! -Hum... Prazer Rodrigo.
Não falei nada depois daquilo, eu apenas abri meu livro e tentei me concentrar no assunto, achei que depois disso Rodrigo fosse desistir de conversar comigo, mas eu me enganei feio...
Eu tentava concentrar-me no assunto do livro quando espiei por cima dos óculos e fui surpreendida pela insistência do rapaz: Ele sem dizer uma só palavra sentou-se à mesa em que eu estava.
-Então você sempre foi assim? -Assim como? -Como posso dizer... Amante da biblioteca?
-Eu gosto de estudar, me sinto bem aqui... -É o que mais vejo você fazer... Mas acho que sei o porque de você viver aqui.
Nesse momento fechei meu livro e o encarei bem no fundo dos olhos... Realmente eu não ia conseguir me concentrar em minha leitura. -Então me diga, conquistou minha atenção sabichão...
-Eu acho que você só vai entender se aceitar sair comigo. -Hahahaha, mas é quarta feira! -E qual é o problema? -Eu tenho muito o que estudar... -Me diga uma coisa... -Fala. -Você adora ler, não adora? -Como você pode ter tanta certeza de que gosto de ler por diversão? -Você passou as ultimas duas horas na prateleira de literatura, senhorita biológicas.
-Okay... você me pegou... Sou uma apaixonada por literatura... Tenho verdadeiro fascínio a vida que essas pessoas tiveram e... -Então esse é seu sonho. -O que, como assim? -Você pode enganar todo mundo com essa pose de médica de sucesso. Mas seu sonho é esse. -Eu não entendo onde está querendo chegar... -Olha, eu sei que posso ser só um cara qualquer na faculdade, que achou você linda aliás, mas eu vejo que seu sonho é ter uma vida tão unica quanto os livros de literarua que lê.
Eu fiquei sem jeito com o rumo que o monólogo dele estava tomando, mas não neguei nada do que ele dizia... Na verdade tinha sentido. -Olha é um pouco constrangedor eu estar admitindo que você me chamou atenção desde o primeiro dia... De alguma forma eu percebi que esses olhos escondem uma garota cheia de vontade de viver... Olha não estou dizendo que não é importante estudar, é sim e muito, mas você ja tentou olhar para esse mundo de uma maneira diferente? Se quiser dar uma chance um provavel começo de uma história na sua vida me encontra na piscina da universidade...
Ele se levantou e saiu da biblioteca. Fiquei uns dois minutos processando as palavras que ele disse. Nem adiantava tentar estudar depois daquilo. Eu não conseguiria estudar nem se eu quisesse. Decidi deixar a razão de lado pela primeira vez na minha vida...
Tremi bastante nos passos que dei em direção ao lado de fora da biblioteca. No fundo meu coração sabia no que ele ia se meter.
-Eu só espero não me arrepender disso. -Sabia que você viria! -Sabia é? Ele abriu um sorriso largo em minha direção enquanto dizia: -Melhor se arrepender de ter feito do que não ter feito... -Se você tem tanta certeza... -Pode acreditar... E pode deixar suas roupas ali naquela sala, também. -Perdão? -Você não vai me deixar entrar sozinho vai? -Você é louco? Se nos pegarem seremos expulsos... -Ah para de drama... É um banho de piscina, não estamos mudando nossas notas no servidor privado. -Okay, mas ter medo não é fazer drama!
Meu coração palpitava com muitas intensidade, estávamos só eu e ele nesse campus, o resto da universidade ja estava em seus dormitórios por ser tarde. Podia ser uma coisa tosca, mas eu estava sentindo uma adrenalina incrível ao fazer aquilo. Eu nunca pensei que algo tão idiota fosse me fazer sentir tão viva!
-Então... eu estava neste campus ainda, pois adoro esse horario para meus estudos, mas e você? O que faz a essa hora por aqui? -Detenção. Injusta é claro. -Sei... E pelo o que? -O professor disse que colei, só por que não coloquei a resolução dos cálculos na folha. -E por que não colocou? É perda de tempo, fiz de cabeça... -Nossa QUANTO talento... hahaha
-Mas que menina engraçadinha você... -Pois é eu tenho senso de humor também... -Disso eu não tinha a menor dúvida...
-Você disse que estava em detenção la na biblioteca, mas por que eu não te vi?
-Só porque você não me viu, não significa que eu estava la... Na verdade eu estava dentro da sala de arquivos, observando você e tomando coragem para conversar contigo... Pois é, eu vejo você todos os dias la dentro, mas só agora que consegui criar coragem para chegar até você...
-Deixa disso, até parece que eu sou alguém especial... Sou só eu. Rodrigo joga água no meu rosto e fala: -Você não tem noção do quanto mesmo! Eu retribui o gesto jogando água em seu rosto e quando dei por mim estávamos os dois brincando como duas crianças na piscina... Parecia que conhecia ele há uma década. De alguma maneia estar ao seu lado me fazia sentir uma energia muito boa... Ele tinha algo que me atraiu como um imã.
-Já está amanhecendo, minha linda... Opa... Desculpa. -Não, tudo bem... Não me ofendi... -Deixe-me ajuda-la.
Ao escuta-lo me chamando de "minha linda"... Meu coração passou a palpitar de uma maneira diferente... Eu estava feliz de uma maneira que nunca havia ficado... só queria que esse momento durasse para sempre... Era como se nada mais existisse além de nós dois vivendo aquele momento.
Passamos alguns instantes em silêncio, mas não aquele silêncio desconfortável. Era possível ouvir o cantar dos pássaros. A visão do nascer do sol daquele dia foi o mais lindo que eu já vira.
Ele se virou para mim e questionou-me: -Isa... Como você está se sentindo? -Ro... Eu nunca me senti dessa forma na minha vida... Parece que meu coração vai sair pela boca... Esse nascer do sol é o mais lindo que já vi... Obrigada por me proporcionar isso... -Se você quiser esse pode ser o começo de muitos nasceres e pores de sol...
Eu não conseguia dizer nada, apenas sorri timidamente revelando que eu estava mais do que disposta a dizer sim... Eu queria muito viver essa aventura, viver minha própria história... Ele estava sendo incrível comigo... Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, se aproximou de mim e começou a me fazer cocegas...
-HAHAHAHAHA! Não por favor, eu perco a compostura com cocegas. -Agora que eu não vou parar! -HAHAHAHAHA NÃO, RODRIGO! PARA, PARAA! HAHAHA -HAHAHAHAHHAHA
-HAHAHAHAHA! PARA, VOU TER UM ATAQUE EPILÉTICO DAQUI A POUCO! -Meu Deus que fiasquenta! -Você não faz ideia! -Você tem um sorriso tão lindo, é bom ver ele de perto assim...
-Ah é mesmo? Serio isso? -Nunca falei tão serio. -Ah para... isso é besteira. -Não me faça... -"Te jogar na água?" Saiba que te levarei comigo se fizer isso! -Eu ia dizer outra coisa... -Ia dizer o que? -Nada de mais... -Fala... por favorzinho... -Não vou precisar falar, pois quer saber? Eu vou fazer!
Ele se aproximou de mim e me abraçou com muito carinho. A brisa da manhã não me arrepiou tanto quanto o toque de suas mãos em meu corpo... tinha um perfume muito bom que só me fazia ficar com vontade de ficar próxima ao seu corpo molhado... Com toda certeza esse momento seria revivido em minha memória mais vezes do que eu poderia contar.
Ele deu um singelo beijo em minha testa. Seus lábios eram macios e quentes, o que só me fazia aumentar a vontade de conhece-los... Seus braços em volta de mim me transmitiam uma segurança que eu jamais imaginasse que pudesse precisar...
E quando eu menos esperava, aconteceu o que eu mais queria que acontecesse.
Foi forte com um choque... Nossos lábios quando se tocaram pela primeira vez causou uma explosão dentro do meu coração, em meu estômago não tinham apenas borboletas, mas um jardim inteiro que só crescia... Era como se ele me complementasse de uma maneira única e inexplicável... Realmente algo começara neste dia...
Aquele tinha sido o melhor dia em muito tempo. Entretanto quando eu coloquei meus pés em casa tive a primeira das muitas brigas que teria esse ano com meu pai...
-Eu posso saber onde você estava Isabelle? -Calma pai... você sabe que eu fico até tarde estudando na biblioteca. -Eu fui até la Isabelle! Desde quando você está deixando de estudar para ficar de safadeza? Quem é aquele moleque? Quer dizer que deu para mentir agora? -Pai eu odeio quando você faz isso! Não precisa ficar me vigiando!
-Você me pede isso e ainda acha que eu vou deixar de cuidar da minha filha depois dela mostrar que não sabe cuidar de si sozinha? Você tem noção do quanto essa universidade é rigorosa? Você quase botou tudo a perder! Isso foi uma irresponsabilidade sem tamanho! Se eu te ver com esse rapaz de novo... Isabelle não queira conhecer meu pior lado...
-Meu Deus pai! Não estou te reconhecendo... O que há de errado em se apaixonar?
-O Errado é você estar no meio dessas safadezas enquanto deveria estar estudando! Francamente eu não sei que tipo de medica você espera ser agindo assim! Só vou dizer isso uma vez... Se você jogar seu futuro pelo ralo, eu juro que aqui você não mora mais! Eu não estou brincando!
Aquele não parecia ser meu pai... Seus olhos queimavam... Qualquer coisa que eu pudesse fazer ou dizer só iria alimentar a raiva nos seu olhar... Parecia que tinha acontecido mais coisa do que ele revelara... Podia ser só um momento ruim... Como eu queria dizer que foi só aquela vez... Mas tudo só estava prestes a piorar...