Pietro e eu percebemos que ambos estávamos nos culpando pela trágica morte de Rodrigo. Decidimos então recomeçar do zero, porém, dessa vez com o pé direito. Caminhamos em silêncio deixando a biblioteca para trás em quanto nossos pés nos aproximavam de uma cafeteria próxima ao local anterior. De repente ele não me parecia tão insensível. Seu rosto transparecia alguém muito triste. Começava a pensar que essa tristeza foi a primeira coisa que possuíamos em comum.
-Você está certa. -Em relação ao o que? -A culpa foi minha... -Pietro, não, eu... -Por favor... Eu passei semanas ouvindo de todos aqueles que me eram queridos, que a culpa não era minha. Eu achei que poderia crer neles, mas não pude... Percebi isso quando soube quem você era. Senti um rancor e uma raiva tão grande dentro de mim. E acabei descontando em você, mas quando você disse que a culpa era minha, eu percebi que de fato era. Só não compreendo como você consegue olhar para minha cara depois de tudo...
-Pietro me escuta com atenção... A culpa não é sua, nem minha... Nós não tínhamos como saber que tais escolhas nossas poderiam influenciar tão negativamente o futuro de Rodrigo. Por mais que meu coração sinta raiva de minhas ações eu sei que seja onde ele estiver, ele não gostaria que brigássemos. Eu amo ele... E sei o quanto ele te amava, admirava seu jeito protetor e seu talento com o piano... Eu não sei se é de alguma valia, mas acho que deve saber que ele não tinha raiva de ti, mas tinha orgulho de ser seu irmão.
Os olhos de Pietro se encheram de lágrimas de saudade e de alívio. Por alguns segundos olhou para o nada e uma linda lembrança de sua infância retornou a sua mente. Quando seus pais ainda eram vivos. Uma época em que a felicidade era facilmente encontrada em pequenas coisas como seu primeiro contato com o piano.
-Eu sinto tanta falta de meu irmão. -Eu também sinto muita falta dele. É um grande buraco recente em meu coração... -Fico impressionado como a vida pode virar de cabeça para baixo em tão pouco tempo. -Eu que diga. Não faz muito tempo que despertei do coma... -Coma? quanto tempo ficou assim? -Um mês desde o acidente... -Um mês? Nossa... E já recebeu alta? Nem parece que precisou de fisioterapia.
-Na verdade... Não precisei. Fiquei um pouco confusa no inicio, mas meu físico estava quase ok com a medicação. E não. Não era para eu ter tido alta tão cedo. -Você fugiu do hospital? -O que? Tenho cara de fugitiva de hospital? -Não foi isso que eu quis dizer... -Hahahah eu sei! Achei engraçada sua colocação... Mas para não haver dúvidas eu não fugi do hospital... Meu medico, Marcos, me ajudou um bocado com medicamentos e um lugar para ficar. -Mas por que você não ficou no hospital? -Eu precisava ir atrás de você. Além disso eu enlouqueceria se ficasse presa em uma maca por mais tempo.
-Você tem pais? -Não! Minha mãe faleceu pouco antes do acidente com Rodrigo e meu Pai... Posso dizer que eu nunca o conheci de fato. Rodrigo era minha unica família... -Eu lamento por sua mãe... -Está tudo bem, eu juro... Mas e seu avô? Rodrigo me falou que vocês têm um avô... Como ele está com tudo que aconteceu? -Ele está seguindo... Por fora ele parece uma pedra sem sentimentos, mas por dentro, eu acredito esteja sofrendo tanto quanto nós...
Eu e Pietro passamos a tarde inteira conversando sobre um pouco de nossas vidas e principalmente nos lembrando de Rodrigo. Essas lembranças pareciam que nos trazia sua presença para mais perto de nós. A companhia de Pietro começava pouco a pouco a tornar mais suportável o fato de eu precisar dizer o ultimo e definitivo adeus ao grande amor de minha vida. Em quanto eu me aproximava de Pietro, Luana e Sra. Daphné, tia de Marcos, mantinham um dialogo de como se fossem mãe e filha, no grande hotel onde eu estava hospedada. -Senhora Daphné?
-Luana, minha querida, não lhe vi o dia inteiro, por onde andou? -Eu estava com minha filha, sabe... -Entendo, você faz bem, minha criança...
-Sra. Daphné, posso lhe fazer uma pergunta? -Claro Luana, você é quase uma filha para mim. Pergunte-me. -O que a senhora sabe sobre a nova hóspede, a Isabelle?
-Ah... Não muito, minha querida... Marcos, meu sobrinho me pediu para ajuda-la e eu ajudei, e não me arrependi, pois me parece uma garota muito doce e gentil. -Ela parece mesmo ser uma boa pessoa. -Mas qual é o motivo desta pergunta, Lu?
-Eu gostei dela, apenas queria confirmar que era alguém de confiança. -Entendo, hoje em dia está cada vez mais raro de se encontrar pessoas confiáveis. Acredito que Isabelle faça parte desse grupo. Mas, mudando de assunto, você parece assustada, o que há? -Estou apavorada Irene... Eu não sei o que fazer se Mauro encontrar a mim e a Giovana. -Filha, você sabe que mais cedo ou mais tarde vocês terão de se encontrar, pois a vida de medo e fuga que você leva não é saudável para a pequena Giovana. -Que seja mais tarde então! Quando, ele não consiga mais ter direito sobre ela!
-Luana... Sinceramente eu acho que esse caminho por qual escolheu seguir é extremamente arriscado... -Eu não tenho escolha. -Tem sim. Aliás, chega a ser mais um dever do que uma escolha. Contar a verdade para sua filha. -O que?! Não. É claro que não ela não entenderia. -Você pode não perceber, mas ela já é crescidinha o suficiente para sofrer com tantas mentiras...
-Eu não posso arriscar perder a pessoa que eu mais amo nesse mundo. -Filha, aceite esse conselho de quem já fez muita burrada. -Eu já tomei minha decisão. -Bem... Então me resta apenas lhe dizer que aconteça o que acontecer eu estou aqui para te oferecer ajuda... -Obrigada Irene! Um dia eu prometo que vou te recompensar...
-Mais uma coisa... Acredite em quem já andou muito pela longa estrada da vida... É melhor escolha para se lidar com os problemas e enfrentando eles e não fugindo...
Luana ficou bastante apreensiva depois de conversar com Sra. Daphné. No fundo ela sabia quais as decisões certas a serem tomadas, mas o medo e o rancor de seu passado a impediam de seguir em frente, podendo significar a perda futura de seu bem mais precioso: Sua filha.
O anoitecer se aproximava e Bernardo, avô de Pietro, pensava com cautela em suas próximas decisões... Se existe algo que pode mudar a vida de muitas das pessoas que ele conhecia é o segredo que o mesmo escondia. Pietro não estava errado em pensar que seu avô havia criado uma casca que impedia qualquer tipo de sentimento de entrar ou sair. Essa casca foi criada há muitos anos atrás e reforçada com a morte de seu único filho.
-Eu não vou correr esse risco de novo!
-Alô, sou eu, Marcos. Bernardo Perini. Sim, eu sei que lhe disse que não retornaria a te ligar, porém eu contava que aquela vadiazinha fosse aparecer na cidade procurando pelo meu outro neto, aliás, você tem alguma coisa haver com isso?
-É claro que não, Sr. Bernardo! Eu apenas dei alta mais cedo para a moça. -Pois agiu muito mal! Agora eu tenho essa pedra no meu sapato. Primeiro foi Hanna, agora essa tal de Isabelle. -Hanna?
-Isso foi a muitos anos. A questão é que eu quero transferir ele para outra cidade. É muito arriscado ficar hospitalizado aqui em Reviera. -Pelo estado dele eu sugiro ele voltar para aqui, mas eu como médico ainda digo que é muito arriscado, a saúde dele está muito debilitada. Já foi um milagre ter sobrevivido.
-É por isso que estou confiando em você. -Bernardo eu já lhe disse isso uma vez. Eu acho que já está na hora de desligar os aparelhos. Eu já vi casos como esse, acredite em mim não vale a pena.
-Eu não vou fazer isso! Por mais remota que seja a chance dele sobreviver, eu vou lutar por ela, Marcos! -Bernardo, mesmo que ele acorde, é improvável que ele seja a mesma pessoa que você conheceu... -Não importa, você fará isso que lhe pedi, estamos entendidos! Chego em algumas horas ao hospital!
Pela primeira vez, no que parecia ter sido um infinito inteiro de solidão e tristeza, eu havia me sentido um pouco mais aliviada com tudo aquilo que me sufocava por dentro, pois havia descoberto que não era a única a estar me sentindo deste jeito. Pietro me contara muito sobre Rodrigo naquela tarde que passamos juntos.(Tarde em que muita coisa mudou em minha mente). Fatos, os quais eu nunca pudera imaginar. Como era bom descobrir que bem no meio de toda aquela confusão, nós conseguíamos dar algumas gargalhadas, apenas recordando de fatos curiosos sobre nosso passado. Pietro, de fato, era bem diferente de Rodrigo, mas havia alguma coisa muito boa nele que me lembrava de todos os bons momentos em que vivi ao lado de meu amado.
-Foi uma ótima tarde, Pietro. Fico muito feliz por poder ter tido a oportunidade de finalmente te conhecer de verdade...
-Eu digo o mesmo Isabelle... Eu peço mais uma vez que me desculpe pelo modo como te tratei antes... -Está tudo bem, sério mesmo... -Por que essa cara? Você está bem? -Estou sim, é só que... -Que...? -Eu queria que houvesse um túmulo para eu poder visitar e finalmente me despedir, compreende? -Mas ele foi cremado... -Exatamente... E desse jeito, eu tenho a sensação que ele vai voltar a qualquer momento...
-Olha... Não há um túmulo de Rodrigo, porém existe um lugar em que eu e ele íamos quando éramos crianças e estávamos chateados com alguma coisa. Pode-se dizer que era como um lugar secreto, meu e dele... Se te interessar eu posso te levar lá amanhã se quiser...
-Nossa, eu adoraria! Você faria mesmo isso por mim? - Claro! Eu acho que você seria a única pessoa que Rodrigo levaria até lá. E acho que ele ficaria feliz também. - Meu Deus! Não posso crer nisso... Obrigada mesmo, Pietro.
-Não precisa agradecer Isa... Eu aproveito e te mostro um pouco dos lugares onde Crescemos... Meu irmão falou tantas vezes comigo, por e-mail, das coisas que queria que você visse, que eu tive que pedir para ele calar a boca pelo menos uma dúzia de vezes para não perder a paciência com ele de novo...Como de costume...
Eu não contive minha alegria de ouvir cada palavra que Pietro dizia. Eram tão vivas e sinceras, que eu podia visualiza-las em minha mente como se tivesse presenciado cada situação de dois irmãos que viviam em conflito, porém se amavam de mais... Abracei Pietro como se fosse um amigo de infância que eu não via a anos, e por um instante parecia que estava abraçando Rodrigo. Esse gesto sutil recordou-me do sonho que tive noite passada e concluí: Graças a Deus eu não desisti.
-Hahahaha, desculpe a pergunta repetida, mas, você está bem? -Se essa pergunta fosse feita ontem... A resposta seria completamente diferente, mas graças a você, eu estou bem...
-Eu fico contente em saber disso! Te juro que sou um cara legal no fundo... -Bem no fundo eu sei disso, hahaha!
-Bem... Eu acho que isso é um até logo... Eu tenho meia hora a pé e mais uma hora de carro até chegar em casa... - Seu avô deve estar preocupado com você. -Eu converso com ele, quanto a isso fique tranquila. -Bem... Então até logo Pietro... -Até logo Isabelle...
Longe dali encontravam-se Marcos e Bernardo. Marcos aflito por estar se metendo cada vez mais dentro da loucura de Bernardo, que dizia sempre ter razões sobre suas ações...
-Ele já está lá dentro sendo cuidado pelos nosso melhores médicos. -Ótimo. Eu não esperaria menos de você. -Ele parece muito mais fraco desde a última vez. -Sim... Ele perdeu muito peso nessas semana para cá. Mas ele vai conseguir recuperar.
-Bernardo eu vou dizer de novo... Ele está sofrendo muito, eu acredito que há grandes chances dele não passar dessa noite... Ele está em coma, mas a saúde dele não está estabilizando. Cada vez piora, cada vez ele fica menos imune... Você tem que me deixar desligar as máquinas.
-Marcos eu não queria apelar para esse lado, mas você não me dá escolha. Se você desligar aquilo que mantém meu neto vivo, eu acabo com tudo que você presa. E você sabe que eu posso... - Você não faria isso... -Você quer arriscar? Você sabe muito bem que eu já fiz coisa muito pior...
-Eu não farei nada. - Ótimo... Melhor para você. -Só espero que essa loucura não traga ainda mais sofrimento para todo mundo...
...Inclusive para você, Bernardo...
Horas haviam se passado. O carro de Pietro tivera problemas com o motor e isso fez com que ele chegasse ainda mais tarde em casa. Quando chegou a residência foi surpreendido pelo suave som do piano sendo tocado por seu avô. Fazia anos que o mesmo não se aproximava do instrumento, pois por mais que trouxesse lembranças encantadoras, ainda sim trazia abundante sofrimento.
-Vô? Acho que nunca pensei que fosse te ver tão perto dele de novo...
-Ah Pietro... Há tanta coisa que não sabe sobre mim ou esse piano... É madeira antiga, está muito bem conservado, não acha? -Acho... Desde moleque acho que nunca vi um piano como esse. -É porque não há... Ele deve ter uns 110 anos já. Claro que foi reformado, mas sua essência continua a mesma. -Vô, você tem um carinho tão grande por esse piano, por que não toca mais? A vovó não amava o piano? -Sua avó era a mais linda e encantadora adoradora de musica clássica que eu já conheci. Violino, Violoncelo e claro, piano. Mas quando ela morreu, uma parte de mim se foi... e quando seu pai morreu... A outra...
-Vô... -Tudo bem Pietro, é a vida sendo vida. Cruel, injusta e amarga... Mas mudando de assunto onde esteve até agora? Ou melhor, onde esteve o dia inteiro? -Eu havia ido a biblioteca, mas depois Isabelle me encontrou. Nós conversamos, e muito. A culpa não é dela vô...
-EU NÃO ACREDITO NISSO PIETRO! Você fez tudo que eu não queria que tivesse feito! Vai dizer que aquela vadia fez uma lavagem cerebral em você? Eu francamente não posso acreditar em uma coisa dessas! POR CULPA DELA RODRIGO ESTÁ MORTO! ELA SEPAROU VOCÊS DOIS! Ele poderia ter chegado aqui bem antes se não fosse por ela!
-E talvez não! Vô, pelo amor de Deus! Ninguém sabe o que poderia ter acontecido! Assim como ninguém poderia ter previsto esse acidente! A culpa não foi de ninguém, e ficar jogando a culpa como se fosse uma bola de vôlei não vai trazer pai nem para mim, nem para o senhor, muito menos para Rodrigo. -Você realmente pouco se importa com a morte de seu irmão não é mesmo?
-Como é? Não ouse dizer isso nunca mais! O senhor viu o quanto eu sofri com a morte dele! O quanto eu quis ter estado no lugar dele e você me fala isso?
-Eu não quero essa garota nas nossas vidas, Pietro!
-Vô, você deveria dar uma chance para ela. Se desse você saberia o quanto está sendo injusto agora...
-Sabe quando que eu vou fazer isso? Nunca! -Vô, você está exagerando... -Pietro ela foi a culpada! -Ah tá vô, você acha que se ela fosse mesmo a culpada ela teria feito propositalmente? -Mas é logico que sim! -Por quê? Por causa de herança? Pois até onde eu saiba, Rodrigo renegou a herança... -Eu tenho meus motivos... -Pelo amor de Deus vô! Isso é paranoia! Você deveria procurar um psiquiatra!
O telefone toca, e pela chamada Bernardo já sabe do que se trata... -Quem está ligando a essa hora? -Um minuto, Pietro, essa discussão acabou!
-Alô? O que houve? Eu espero que seja importante estou no meio de uma discussão...
-Eu não sei como te falar isso Bernardo, mas creio que não há jeito, vou direto ao ponto... Ele se mexeu!
-O que?! Isso é uma ótima noticia!
-Eu não sei como explicar, ele chegou aqui em estado crítico. Duvidava que ele fosse ter alguma melhora, quanto mais se mexer... É inexplicável...
-Você tem certeza? Como você pode ter tanta certeza? -Primeiro achamos que podiam ser pequenos espasmos musculares, mas depois... Pudemos ouvir algumas balbuciações inconscientes... Só conseguimos identificar uma palavra... -Qual?